Breve Introdução por Maria da Serra Verde...

Esta é uma história de amor bordada a dois na fina e delicada arte dos poetas…

Ela borda a linha azul
é uma mulher do mar, do ar, do céu…
aprecia o espaço e a liberdade…
é sonhadora e eloquente, procura a linha do horizonte…
mas nunca esquece a terra firme…
os seus pontos são laboriosos, pequeninos e delicados…
em contraste com a decisão e firmeza de quem sabe o que quer!

Ele borda a linha verde
é um homem da floresta, da montanha…
das gélidas invernias, das paisagens bucólicas e silvestres,
que preza a pacatez e tranquilidade dos dias…
é um idealista, vive sempre noutras dimensões mais atrás ou mais adiante no tempo
os seus pontos são elaborados mas nem sempre com remates seguros!

Entre ambos a trama… da ideia, do sonho, da poesia!
E o crescendo do sentimento que se transforma em amor…

Encontram-se algures na vida…
percorrem-na saboreando as palavras que trocam como acto transcendente de cumplicidade.

Perdem-se um no outro…

Mais à frente as linhas da vida divergem.
E esta rouba-lhes o tempo, tira-lhes o espaço …
Mas as palavras bordadas pelos poetas, essas, permanecem!
Como testemunho do sublime que, um dia, aconteceu entre ambos!

quarta-feira, março 26

(Ela)... pus o que havia em mim!

Deixo-te com Amadeu Telles Marques,
um poeta de Coimbra - para mim, até agora, um desconhecido-
e o seu poema “Doação” retirado do livro “A Dimensão Medida”.

Gostei e achei apropriado.
Os seus pontos tornam mais rico o nosso Lenço!

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Pensei
E quis.
Na tua mão
Pus o que havia em mim

-o oiro
e o latão!

segunda-feira, março 24

(Ele)... contigo, comigo

Leio Estrela da Vida Inteira de Manuel Bandeira, referência da cultura brasileira e que marcou toda uma geração de poetas brasileiros, da lusofonia e até de alguns portugueses.
De repente, dei com um poema que cristaliza o que se passa comigo...
transcrevo-te o poema «Contigo, comigo»
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Como contigo
Eu chego a mim!

Como me trazes
A esfera imensa
Do mundo meu
E toda a encerras
Dentro de mim!

Como contigo
Eu chego a mim!

Ah como pões
Dentro de mim
A flor, a estrela,
O vento, o sol,
A água, o sonho!...

Como contigo
Eu chego a mim!

domingo, março 23

(Ele)... e sei-lá-mais-o-quê!

Paciência, eu devia ter paciência.
Não me vou esquecer de escrever cem vezes num caderno, antes de me deitar: eu preciso de ter paciência!
Paciência... com o prosaico da vida que me enerva e enraivece e desatina e sei-lá-mais-o-quê!
Não tenho paciência para o corriqueiro, para o banal, para o que não é sublime!
Hoje, perco a paciência com os actos quotidianos!

Quero endoidecer-me de ti!
Rui Knopfli, excerto do poema IF

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(...)
Se, contabilista
Resistires à falsificação da escrita
À tentação da ‘caixa’;
Se, empregado,
Souberes oferecer ao patrão
O sorriso e a vénia modelares,
Em vez do gesto indecente, descarado,
Do gesto português.

(é preciso, é preciso)
...

então meu filho, serás um homem
geralmente respeitado e admirado
pelos teus concidadãos.

Entretanto formulo um obscuro voto
para que, nalgumas destas alternativas,
te percas, meu filho, sem remissão.

sábado, março 22

(Ele)... a natureza endoideceu...

A natureza endoideceu... de mim, para ti!
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Com uma temperatura amena, a natureza endoideceu.
De um dia para o outro irrompem as flores...
... no meu jardim, nos campos, nos muros e nas sebes.
E as mais lindas não são, seguramente, as do meu jardim.
Se tivesse a quem as oferecer, teria colhido hoje, à beira do caminho, o ramo mais singelo.

Como eu teria gostado de to dar!

sexta-feira, março 21

(Ele)...tão tu-própria-nelas!

Hoje é Dia Mundial da Floresta.
Haverá algum dia que não seja dia-de-qualquer-coisa?...
Mas por aqui... ninguém se lembrou que por se terem esgotado os dias-de-qualquer-coisa, hoje também era o Dia da Poesia...

E, em homenagem ao Dia da Poesia e em arrependimento de não ter feito um filho, plantado uma árvore ou escrito um livro no dia de hoje,
(que isto não se lhe assemelha),

bordo-te um poema de Alberto Caeiro.

Ah! E as tuas palavras são lindas e delicadas!
Tão puras, tão genuínas...
tão tu-própria-nelas!
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E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...

Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.

Penso nisto, não como quem pensa mas como quem respira
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas estações

(Ela)... traduzo-me para ti

Tentei os meus próprios pontos…
mas envergonhei-me deles… por tão singelos não traduzem a minha imensidade…
por isso, agora, um poeta a sério! Que traduz melhor o que sinto e que é tanto!.
«Traduzir-se» de Ferreira Gullar

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Uma parte de mim
É todo o mundo
Outra parte é ninguém:
Fundo sem fundo.

Uma parte de mim
É multidão:
Outra parte estranheza
E solidão.

Uma parte de mim
Pesa, pondera:
Outra parte
Delira.

Uma parte de mim
Almoça e janta
Outra parte
Se espanta.

Uma parte de mim
É permanente
Outra parte
Se sabe de repente.

Uma parte de mim
É vertigem:
Outra parte,
Linguagem .

Traduzir uma parte
Na outra parte
-que é uma questão
de vida ou morte-
será arte?

(Ela)... quatro anos depois da última palavra

«Versinhos bem-comportados»
Imaginando-me encostada ao teu ombro (embalada pelo "tan-tan" do comboio) não dormia,
‘bordava’ para ti, ainda a medo e sem grandes aparatos, 4 anos depois da última palavra!

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Dá-me a tua mão

-não ouves o tom sussurrado da minha voz?
Não é uma ordem, é um pedido -

unhas quadradas, compridas
pele alva
morna, tão morna

(mão com sabedoria e paixões de poesia e
memórias e alvoroço e vida e seiva e tudo)

Vou encostar o meu rosto à tua mão

-sentes?-

Deixa-a ficar
...assim...
de mansinho sob o meu rosto,
quieta e inebriada
pelo meu toque, doce e inocente
mas palpitante.

Quero apenas senti-la, à tua mão,
na minha face
E o teu toque transmitindo-me o mundo,
o teu mundo
sem tempestades
sem fúrias!

(a não ser aquelas que existem dentro de nós)

Vou sentir o teu cerne
nesse simples toque
que não me assusta.
E
que me deixa confiante adormecer

(sabendo que me ficas a contemplar –encantado e feliz-)

O meu rosto e a tua mão... assim...

-sentes, não sentes?-

peles tocando-se e
partilhando-se e
conhecendo-se...
em silêncio de comunhão.

quinta-feira, março 20

(Ele)... é esse o fascínio dos escritores, dos poetas...

É esse o fascínio dos escritores, dos poetas...
conseguir criar mundos virtuais que os outros –e ele próprio- sentem possíveis.
Da Sophia de Mello Breyner Andresen... um verso pela noite...
Ah, sabes que o mais delicioso aqui na minha terra é o magnífico céu, atapetado de estrelas?

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Quero
Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira de janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.

(Ela)... queria saber as mais lindas palavras...

Queria saber bordar-te as mais lindas palavras. Queria!
Mas receio que nunca alcance a sabedoria dos poetas…
Um poema para ti de Eugénio de Andrade.
Em glória ao silêncio que tanto prezas...

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Quando a ternura
Parece já do seu ofício fatigada,

E o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

Quando azuis irrompem
Os teus olhos

E procuram
Nos meus navegação segura,

É que te falo das palavras
Desamparadas e desertas,

Pelo silêncio fascinadas

quarta-feira, março 19

(Ele)... os meus beijos são teus!

Como eu te beijaria hoje! Beijar-te-ia tanto! E de tantas maneiras!
Com carinho… com paixão… com enleio… com devoção…
com todo o sentimento depositado nos meus lábios… transmitindo o meu amor para os teus!
Só beijos a selar-nos
–um ao outro-
a colar-nos através das nossas bocas!
Beijos de Mário de Sá-Carneiro, 1910

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Beijar, linda palavra!... um verbo regular
que é muito irregular
nos tempos e nos modos...

Conheço tantos beijos e tão diferentes todos!...

Um beijo pode ser amor ou amizade
Ou mera cortesia,
E muita vez até, dizê-lo é crueldade,
É só hipocrisia.

O doce beijo da mãe
É o mais nobre dos beijos,
Não é beijo de desejos,
Valor maior ele tem:
É o beijo cuja fragância
Nos faz secar na infância
Muita lágrima... feliz;
Na vida esse beijo puro
É o refúgio seguro
Onde é f’liz o infeliz.

Entre as damas o beijo é praxe estab’lecida,
Cumprimento banal, ridículos da vida!-:
(imitando o encontro de duas senhoras na rua)
-Como passou, está bem? (um beijo) O seu marido?
(mais beijos), De saúde. E o seu, Dona Mafalda?
-Agora menos mal. Faz um calor que escalda,
Não acha?, Ai, Jesus, que tempo aborrecido!...

Beijos dados assim, já um poeta o disse,
Beijos perdidos são.
(Perder beijos!, que tolice!)
Porque é que a mim os não dão?
O osculum pacis dos cardeiais
É outro beijo de civ’lidade;
Beijos paternos ou fraternais
São castos beijos, só amizade.

As flores também se beijam
Em beijos incandescidos,
Muito embora se não vejam
Os ternos beijos das flores.

Há outros beijos perdidos:
Aqui mesmo:
Há aqueles que os actores
Dão a esmo,
Dão a esmo e a granel...
Porque lhes marca o papel.

-Mas o beijo de amor?
Sossegue o espectador,
Não fica no tinteiro,
Guardei-o para o fim por ser o ,verdadeiro,

Com ele agora arremeto
E como é o principal
Vai apanhar um soneto
Magistral:

Um beijo de amor é delicioso instante
Que vale muito mais que um milhão de vidas,
É bálsamo que sara as mais cruéis feridas,
É turbilhão de fogo, é espasmo delirante

Não é um beijo puro. É beijo estonteante,
Pecado que abre o céu às almas coloridas.
Ah! Como é bom pecar coas as bocas confundidas
Num desejo brutal de carne palpitante

Os lábios sensuais de uma mulher amada
Dão vida e dão calor. É vida desgraçada
A do feliz que nunca um beijo neles deu;

É vida venturosa a vida de tortura
Daquele que coa boca unida à boca impura
Da sua amante qu’rida, amou, penou, morreu.

(Pausa...Mudando de tom)

Desejava terminar
A beijar a minha amada,
Mas como não tenho amada,

(A uma espectadora)

Vossência é que vai pagar...

Não se zangue. A sua face
Consinta que eu vá beijar...
....................(atira-lhe um beijo)
Um beijo pede-se e dá-se
Não vale a pena corar...

terça-feira, março 18

(Ele)... é essa a virtude dos poetas

Li e reli o poema do Ary dos Santos...É essa a virtude dos poetas, exprimirem os nossos sentimentos... Porque a poesia toca o que há de mais valioso em nós.
Deixo-te com os mais belos pontos da Sophia.

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Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda que a tua.

segunda-feira, março 17

(Ele)... aceito o teu Lenço!

Aceito o teu Lenço… aceito-o como o nosso Lenço e, sim! quero bordá-lo contigo!
Aceito a tua partilha e partilho-me contigo!
Temos tempo para toda uma vida de partilhas!
Lembras-te das nossas brincadeiras em torno da idade e de como e quanto nos amaríamos ainda quando fossemos velhos e esclerosados?
Eu tinha-te prometido não voltar a falar da idade, mas não resisto. Deixo-te com a ironia de Rui Knopfli, “nosso” conterrâneo, num poema que se chama “O dente do Siso”
Imagina-me assim, querida! Achas que me suportarias, então?

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Idade de seborreia. Em placas,
Com prurido no couro cabeludo.
A acinzentar a gola do casaco.
Incrustada no cerne das unhas,
À extremidade encardida dos dedos.
Idade da azia. De insuficiência
Hepática. De pequenos males
Sem importância alguma, não
Fora a dor a crucial e periódica
Junto do metal ortopédico. Óculos
De vista cansada. O cabelo
A rarear, a gengiva descarnada
A caveira espreitando atrás dos dentes,
A caveira à rasca para segurar os dentes
A cárie e a nicotina. A caveira
A aguentar tant bien que mal a fachada
E os olhos, que tu ainda teimas
Em fazer bonitos às raparigas

domingo, março 16

(Ela)... um ponto difícil

Aprendi hoje um ponto difícil e, por isso, só te bordo um bocadinho
com as palavras que mais apreciei –as menos rudes e agressivas- do Ary dos Santos...
cujo olhar e sentir alcança mais longe
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Invento-te recordo-te distorço
A tua imagem mal e bem amada
Sou apenas a forja em que me forço
A fazer das palavras tudo ou nada.
(...)

E as coisas que eu não disse? Que eu não digo:
Meu terraço de ausência meu castigo
Meu pântano de rosas afogadas

Por ti me reconheço e contradigo
Chão das palavras mágoa joio e trigo
Apenas por ternura levedadas