Breve Introdução por Maria da Serra Verde...

Esta é uma história de amor bordada a dois na fina e delicada arte dos poetas…

Ela borda a linha azul
é uma mulher do mar, do ar, do céu…
aprecia o espaço e a liberdade…
é sonhadora e eloquente, procura a linha do horizonte…
mas nunca esquece a terra firme…
os seus pontos são laboriosos, pequeninos e delicados…
em contraste com a decisão e firmeza de quem sabe o que quer!

Ele borda a linha verde
é um homem da floresta, da montanha…
das gélidas invernias, das paisagens bucólicas e silvestres,
que preza a pacatez e tranquilidade dos dias…
é um idealista, vive sempre noutras dimensões mais atrás ou mais adiante no tempo
os seus pontos são elaborados mas nem sempre com remates seguros!

Entre ambos a trama… da ideia, do sonho, da poesia!
E o crescendo do sentimento que se transforma em amor…

Encontram-se algures na vida…
percorrem-na saboreando as palavras que trocam como acto transcendente de cumplicidade.

Perdem-se um no outro…

Mais à frente as linhas da vida divergem.
E esta rouba-lhes o tempo, tira-lhes o espaço …
Mas as palavras bordadas pelos poetas, essas, permanecem!
Como testemunho do sublime que, um dia, aconteceu entre ambos!

quarta-feira, julho 9

(Ele)...como as manhãs tocam a paisagem...

da poesia de Victor Matos e Sá, daqui e dali…
começam por ti todos os versos
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Começam por ti todos os versos...
Trago-te na minha vida como quem
Escuta os passos musicais do tempo,
Como as manhãs tocam a paisagem...
E amplamente te recebo dos horizontes da dor
Que é a nossa distância de seres quase tudo.
Trago-te na minha vida como é possível
A noite trazer o luar

segunda-feira, julho 7

(Ela)... e, para ti, é sempre SIM...

Sabes que resguardo o melhor de mim, no mais recôndito de mim…
sabes que me guardo para ti…
e, para ti, a minha resposta é –sempre!- SIM
n’as pequenas gavetas do amor de Ana Luísa Amaral

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Se for preciso, irei buscar um sol
Para falar de nós:
Ao ponto mais longínquo
Do verso mais remoto que te fiz.
Devagar, meu amor, se for preciso,
Cobrirei este chão
De estrelas mais brilhantes
Que a mais constelação,
Para que as mãos depois sejam tão
Brandas
Como as desta tarde
Na memória mais funda guardarei
Em pequenas gavetas
Palavras e olhares, se for preciso:
Tão minúsculos centros
De cheiros e sabores
Só não trarei o resto
Da ternura em resto desta tarde,
Que nem nos foi preciso:
No fundo do amor, tenho-a comigo:
Quando a quiseres-

domingo, julho 6

(Ele)... o teu ar luminoso e gaiato...

Viriato da Cruz escreveu Namoro, a que Sérgio Godinho deu a música e a voz…
uma carta em papel perfumado,
aquecida com o entardecer mágico dos dias de outros quadrantes,
com o encanto dos enamorados,
com as palavras doces do enamoramento…
comigo dentro…
para tu me dizeres que sim, que sim… SIM…
com esse teu ar –ao mesmo tempo- gaiato e maduro de miúda e de mulher ...

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Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorriso luminoso tão quente e gaiato
com o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas
Sua pele macia – era sumaúma…
Sua pele macia, da cor do jambo cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce – como o maboque…
Seus seios, laranjas – laranjas do Loje
seus dentes… -marfim…

Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
“Por ti sofre o meu coração”
Num canto – SIM, noutro canto – NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro…
E ela disse que não.

Leivei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu…
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficámos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos…
falei-lhe de amor… e ela disse que não.

Andei barbado, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
“-… Não viu… (ai, não viu…?) não viu Benjamim!”
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba –dancei com ela
e num passo maluco voámos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: “Aí, Benjamim!”
Olhei-a nos olhos – sorriu para mim
pedi-lhe um beijo – e ela disse que sim.
E ela disse que SIM.

sábado, julho 5

(Ela)...sou eu própria...

Estes são os meus pontos, meus, só meus, para ti, só para ti...
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sou eu própria...
que me escrevo e reescrevo nas palavras que te envio...
ansiando que as leias como quem faz amor com os olhos.

segunda-feira, junho 30

(Ela)...namoramos por palavras...

aqui e ali da poesia de Eugénio de Andrade (3)
namoramos por palavras e

por palavras bordamos o lenço que nos envolve
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de palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos
e canta
o êxtase dos dias

sábado, junho 28

(Ela)...quero subir os teus degraus...

aqui e ali da poesia de Eugénio de Andrade (2)
eu sei que me impaciento…

mas quero ser corrente, amor…
quero ser rio…

quero subir os teus degraus…
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Ama
como o rio sobe os últimos degraus
ao encontro do seu leito

(Ela)... e dos beijos?

aqui e ali da poesia de Eugénio de Andrade (1)
Tenho saudades tuas!
Como suportar estas saudades que enchem e extravasam?

Como aguentar e suportar todo este imenso?
Gosto tanto de ter a meu lado, perto, dentro, que não aguento quando estás longe!
E dos beijos? Como suporto a ausência dos teus beijos?
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Lábios. Com sede
ainda doutros lábios.

sexta-feira, junho 27

(Ela)... excessivamente romântica?

Encontrei algures perdido num dos seus contos “Doze casamentos felizes”,
esta citação de
Camilo Castelo Branco
excessivamente romântica à luz dos nossos dias mas tão certa, tão certa!

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Depois do céu quem mais faz milagres é o amor

quinta-feira, junho 26

(Ela)... verde de mim...

Verde de mim...
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Vida....o ar inspirado, o fôlego de querer mais e melhor.

Esperança....o que nos faz caminhar e seguir em frente.... e aprender a aguardar....o que envolve o sonho em cores sentidas e desejadas

Riso....instrumento da alegria, da saúde da mente e do coração.... há que aprender a sorrir, a rir, a gargalhar, por tudo e por nada, como se fossemos tolos, porque eles são felizes!

Dádiva....falar de amor é já amor, por isso dar amor é uma benção que nos é permitida em cada gesto, em cada olhar, em cada palavra.

Estímulo....que existe em tudo, basta querermos olhar e ver.

Podiam ser estas palavras ou outras quaisquer....

Verde não tem A

por isso não tem claramente expressa a palavra mais bonita

porém, não estará ela contida em todas as outras?

terça-feira, junho 24

(Ele)... é por ti, que não és musa, nem deusa...

Descobri ao ler Ramos Rosa, uma bela imagem poética para ti...
mulher do meu horizonte
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É por ti que escrevo que não és musa nem deusa
Mas a mulher do meu horizonte
Na imperfeição e na incoincidência do dia-a-dia
Por ti desejo o sossego oval
Em que possas identificar-te na limpidez de um centro
Em que a felicidade ase revele como um jardim branco
Onde reconheças a dália da tua identidade azul
É porque amo a cálida formosura do teu torso
A latitude pura da tua fronte
O teu olhar de água iluminada
O teu sorriso solar
É porque sem ti não conheceria o girassol do horizonte
Nem a tímida integridade do trigo
Que eu procuro as palavras fragrantes de um oásis
Para a oferenda do meu sangue inquieto
Onde pressinto a vermelha trajectória de um sol
Que quer resplandecer em largas planícies
Sulcado por um tranquilo rio sumptuoso.

segunda-feira, junho 23

(Ela)...quem não tem medo de naufragar...

Não é poeta mas é uma poeta…
não escreve de forma elaborada mas atinge o mais profundo
com as suas palavras simples que compreendo e
que parecem que são a expressão do que vai cá dentro…
ouço a Mafalda Veiga...e gosto da música e das palavras singelas…
e não acho que destoe no meio dos poetas maiores…
afinal não somos todos nós um pouco poetas?

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Sei de cor cada lugar teu

atado em mim,
a cada lugar meu
tento entender o rumo
que a vida nos faz tomar
tento esquecer a mágoa
guardar só o que é bom de guardar

Pensa em mim
protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
sem ter defesas que me façam falhar
nesse lugar mais dentro
onde só chega quem não tem medo de naufragar

Fica em mim que hoje o tempo dói
como se arrancassem tudo o que já foi
e até o que virá e até o que eu sonhei
diz-me que vais guardar e abraçar
tudo o que eu te dei

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
e o mundo nos leve p’ra longe de nós
e que um dia o tempo pareça perdido
e tudo se desfaça num gesto só

Eu vou guardar cada lugar teu
ancorado em cada lugar meu
e hoje apenas isso me faz acreditar
que eu vou chegar contigo
onde só chega quem não tem medo de naufragar

domingo, junho 22

(Ele)...vencido, regresso devagar ao teu sorriso...

No meu pensamento, eclode o teu sorriso…
uma explosão de ti que me enche tudo por dentro, que me faz querer –confesso!-
que não fosses tão fundamental… Compreende-me!
Sou homem e os homens sentem medo da entrega total.
Embora não o assumam, têm um medo terrível de sofrer por uma mulher…
Por isso, muitas vezes, finjo que ‘não é nada comigo’…
mas estás lá, meu amor!
Dentro de mim como fogo que alastra e me devora por dentro! por fora!
E eu, por vezes, apenas finjo que não és a razão principal do meu viver…
Depois, vencido, regresso devagar ao teu sorriso e
prendo-me no teu sorriso e
prendo-me a ti e,
assumidamente, dou-me a ti em nó cego e sentido,
sem tu saberes!
e sinto, tal como António Manuel Pina, o Amor como em Casa
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Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

sábado, junho 21

(Ele)... estás tão bonita hoje...

Hoje o Verão instalou-se na minha vida e encheu tudo de cor…
sobretudo, impera o vermelho …
e é vermelho o que sinto por ti,
esta pulsação com que bate descompassado o meu coração…
para ti, Mulher Mais Bonita do Mundo,
esta cor vibrante das linhas com que borda José Luís Peixoto
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estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo, estás tão bonita é aquilo que quero dizer
.

quarta-feira, junho 18

(Ela)... e vieste abrir-te na escuridão da tua casa...

Que bonitos pontos tens bordado no nosso lenço…
tenho-me envolvido neles, uma e outra vez…
sobretudo nestes dias em que me sinto tão só e tu me pareces quase irreal…
o amor, às vezes, é tão longe, tão longe… sinto e ressinto-me desta distância que existe entre nós… distância de espaço e de tempo…

sinto falta que me batas à porta e eu abra a porta e eu me abra para ti… ou
que eu te bata à porta e tu abras a porta e te abras para mim…
Príncipe -meu Príncipe- de Ana Hatherly

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Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.

São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta e vens abrir-me

terça-feira, junho 17

(Ele)... para ti... eu criei todas as palavras...

Mia Couto é escritor, mas tece as palavras com a poesia das palavras quentes de África, de Moçambique sua terra natal… palavras que criam lenços sublimes, quentes, coloridos, cheirosos e profusos de sentimentos bons…
Para ti, mulher que és minha, eu criei todas as palavras!
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Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

domingo, junho 15

(Ele)... e eu SOU em ti...

Minha querida, não te queria confundir…
sou cativo de ti…
Bordei-te aquele poema com a perplexidade que se sente perante a enormidade dos sentimentos que simplesmente não têm qualquer explicação.

Ocorrem. Sentem-se. São! E eu sou em ti!
Umas vezes sem dúvidas, outras com estupefacção perante o que é grandioso e inexplicável.
Perdoa-me se os meus pontos não foram delicados…

Hoje, tentarei ser mais perfeito para ti… ir ao teu encontro com Amo-te Sempre
de Victor Matos de Sá
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Amo-te sempre
com um pouco de barco e de vento
com uma humildade de mar à tua volta
dentro do meu corpo; com o desespero
de ser tempo;

com um pouco de sol e uma fonte
adormecida na ternura.
Merecer este minuto de palavras habitando
o que há sem fim no teu retrato;
Este mesmo minuto em que chegam e partem navios
- nesta mesma cidade deste
minuto, desta língua, deste
romance diário dos teus olhos –

(e chegarão com armas? refugiados? trigo?
partirão com noivas? missionários? guerras? discursos?)
Merecer a densa beleza do teu corpo
que tem água e ternura, células, penumbra,
que dormiu no berço, dormiu na memória,
que teve soluços, febre, e absurdos desejos
maiores que os braços,

merecer os dias subindo das florestas - e vêm
banhar-se, lentos, nos teus olhos...

Merecer a Igreja, o ajoelhar das palavras,
entre estes cinemas visitando, em duas horas, a alma,
estes eléctricos parando atrás do infinito
para subirem os namorados, a viúva, o cobrador da luz, a

costureira
entre estes homens que ganham dinheiro, sangue frio, ou vícios,
ou medalhas
e estes telefones roubando a lealdade dos olhos...

Teus cabelos cheirarão ainda a infância
e a vento, depois de passarem por esta fome pública,
estes olhos com regras de trânsito, estes dias sujos,
estes lábios que já não ensinam o pomar
ou a fonte, nem têm gosto de leite e de aurora,
depois destes olhos cheios da pergunta de estarem vivos em vão?

Merecer honradamente este poema, todos os poemas,
como quem parte, entre os dedos a brancura quente de um pão!

(Ela)... são estas as palavras que me beijam

Num repente, li-te e reli-te… não te entendi…
não compreendi as palavras difíceis do poeta…
não entendi o que me tentaste transmitir…
leio de novo, uma e outra vez…
Que me dizes? Que me falas? Que me expressas?
Fico-me pelas primeiras e últimas palavras
”sem dúvida Amor esta explosão”,
“tenho vivido eternamente preso”…
estas palavras, compreendo-as e sinto-as minhas…
São estas as palavras que me beijam!
De Alexandre O’Neill,

o poema “Há palavras que nos beijam”
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Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

sábado, junho 14

(Ele)... e eu, cativo de ti...

David Mourão-Ferreira, escreveu Soneto do Cativo.
E eu cativo de ti, eternamente me prendo…
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Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encaminhamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

quinta-feira, junho 12

(Ela)... bordo-te com alguma fúria...

Sinto de novo a tua falta… é um vazio que dói… uma escuridão que se abate em mim…
o que faço com o meu coração? O que faço com ele que, de tão cheio, ameaça quem me rodeia de ficarem cobertos de mim e de ti…
Não posso adiar o coração…
bordo-te António Ramos Rosa com alguma fúria,

atiçada pelo amor intenso.
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Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração

terça-feira, junho 10

(Ele)... um madrigal com cheiro a ti...

Nos nossos «fazeres-de-conta» nunca poderemos duvidar de algo que é tão basilar como a vida, que faz parte intrínseca da vida -da nossa vida!-, da nossa natureza…
nunca poderemos duvidar dos nossos sentimentos.

Eles são a verdade fundamental!
Nunca duvides do que sinto por ti, independentemente da distância e do tempo.
Haverá um dia que não faremos mais de conta e tudo será certo e cheio e pleno de vida.
Estive a ler o livro que me deste “Rondó das três mulheres do sabonete araxá”… de Manuel Bandeira, esse sublime poeta brasileiro, Madrigal Melancólico, um bordado com cheiro a trópico, a terra húmida e pujante, com cheiro a vida…
a ti?
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O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.

A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti.
Não é tua inteligência.
Não é teu espírito subtil.
Tão ágil, tão luminoso.
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical.
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi,
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

quarta-feira, junho 4

(Ela)... Faz-de-conta-que-abro-as-janelas...

Estás, de novo, distante de mim.
Longe, longe, longe.
Tão longe, que tento fazer de conta que existes...
que a tua presença é real...
que estás aqui ou eu estou aí, que faço parte da tua vida por completo.
Brinco ao faz-de-conta, contando os dias para te ver. Para te ter!
Faz-de-conta-que-abro-as-janelas…
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Faz-de-conta que eu estou junto a ti

(e tu sentes a minha presença a roçar-te o corpo!)

e que te beijo às horas que quero
e às horas que necessitas
-a todas e quaisquer horas-

Faz-de-conta que contemplamos o horizonte
e, nos dias de sol,
deixamos a nossa vista sinuosamente percorrer
as montanhas logo ali em frente, ou
que perscrutamos o verde mais além
através dos chuviscos e do nevoeiro
dos dias mais tristonhos.

Faz-de-conta que percorremos o jardim
e saltito entre as árvores
e os futuros canteiros de flores prometidas,
e me escondo de ti
e te tento com o meu olhar
a chamar-te para que entres dentro dos meus olhos
e te deleites até te saciares por completo
até te sentires irremediavelmente perdido.

Faz-de-conta que me aqueço em ti
-o meu corpo sempre fresco e ávido do teu amor-
e baixinho, ao teu ouvido
te conto a mágoa dos dias com histórias cinzentas.

Faz-de-conta que os teus braços me contornam
e se transformam na redoma que me protege dos males do mundo.

Faz-de-conta que partilho toda a tua vida
e tu,
a minha.

Faz-de-conta que escolhes os versos que me queres ler
e com eles expressas o mundo e o sonho e eu
te olho e
te ouço embevecida.

Faz-de-conta que eu abro as janelas
para arejar a casa e
deixo entrar a luz!

sábado, maio 31

(Ela)... mesmo não sendo azuis, os teus olhos...

Como me afogo no azul dos teus olhos, que mesmo não sendo azuis,
são como água cristalina que me contempla e refresca…

Amadeu de Sousa Telles para ti
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Os teus olhos...
Os teus olhos riem. São um rio
Que desventrando areias não secou
Para vir lançar um desafio
A este mar de mágoa que sou.
E como por milagre ou por encanto,
O mar imenso, magoado e triste,
Trocou nas minhas ondas o seu pranto
Pelo sorriso que lhe transmitiste.

sexta-feira, maio 30

(Ela)... se eu feiticeira, tu mais forte poção...

Hoje bordo-te com a magia das poções mágicas...
como se eu, feiticeira,
tivesse os dotes mais poderosos do universo para te encantar.
De Ana Luísa Amaral, Memórias e Magias
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Crio-te na memória mais compacta
De que sou capaz


(dentro de um malmequer,
pólen, folhas, pétalas, no espaço
mais minúsculo do centro)

Depois de assim te ter,
é tempo de falar-te a espaços largos

(no poema mais livre,
ponto de rede aberto
como de arrastão)
Como de estalar de dedos,
A magia mais mágica

(se eu feiticeira,
tu mais forte poção:
a de invocar os deuses gregos todos,
as forças mais ocultas, sumério
ou cristão que fosse deus)

(...)

quinta-feira, maio 29

(Ele)... tenho sentido a tua cabeça no meu ombro...

Um tempo haverá em que não precisarás de poesia de terceiros para contar os teus estados de alma e as tuas perplexidades.
O verso do Raul de Carvalho encaixa perfeitamente em nós...
e o do Nuno Júdice...

retive este início e acho que esse sítio existe... aqui... no meu jardim...
com a calma do entardecer,
a brisa correndo nas copas das árvores,
pássaros chilreando ao longe.
Aqui, às vezes, tenho sentido a tua cabeça no meu ombro.
É o meu lugar mítico, o sítio dos meus silêncios.
Aí, se um dia realmente lá estivermos os dois não diremos uma só palavra.
Mas tu sentirás como nunca a união.

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Lembro-me agora que tenho de marcar um
Encontro contigo, num sítio em que ambos
Nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
Das ocorrências da vida venham
Interferir no que temos para dizer. (...)

quarta-feira, maio 28

(Ela)... encontrar uma fórmula que disfarce o que não consigo dizer...

E finalmente de Nuno Júdice...
as palavras que ficam sempre por dizer...
e o porquê de não serem ditas...

......................................................................

Lembro-me agora que tenho de marcar um
Encontro contigo, num sítio em que ambos
Nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
Das ocorrências da vida venham
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
Vezes me lembrei que esse sítio podia
Ser, até, um lugar sem nada de especial,
Como um canto de um café, em frente de um espelho
Que poderia servir de pretexto
Para reflectir a alma, a impressão da tarde,
O último estertor do dia antes de nos despedirmos,
Quando é preciso encontrar uma fórmula que
Disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
Que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
Aquela que permite a passagem à comunicação
Mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
De Súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
Leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
Ser, como se uma troca de almas fosse possível
Neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
Me peças: «Vem comigo!», e devo-te dizer que muitas
Vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
Isto é, a porta tinha-se fechado até outro
Dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
As palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
Sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
Um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
Para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
É também a mais absurda, de um sentimento; e, por
Trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
Seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
Do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
Encontrar, que há-de ser um dia azul, de Verão, em que
O vento poderá soprar de norte, como se fosse daí
Que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
Que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
Das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.

(Ela)... saber que existo para além de mim...

O terceiro, de Raul de Carvalho, que me lembra a alegria, a certeza, a luz...
de ter encontrado uma alma idêntica e
que sonha com a mesma intensidade e
com a qual me troco e me partilho...
.......................................................................

A verdade é que fomos
Feitos do mesmo sangue
Violento e humilde
A verdade é que temos
Ambos a graça de compreender
Todos os homens e todas as estrelas
(...)
Tu ensinaste-me as palavras simples
As palavras belas
As palavras justas
E fizeste com que eu já não saiba
falar de outra maneira.
(...)
Sonhar contigo é quase como
Saber que existo para além de mim.
Vês como é tão simples
Ter o coração
Tão perto da terra
E os olhos nos olhos
e a alma tão perto
Da tua alma.

(Ela)... para ti eu criarei um dia puro...

O segundo poema, de Sophia, que define os meus pavores nocturnos,
quanto te sinto com mais força no meu coração e,
ao mesmo tempo,
a tua ausência é tão palpável e real
que a noite fica tão escura, tão escura…
nesses momentos…fecho os olhos com força e repouso o rosto no teu peito…
se não os abrir, quase me convenço da tua presença.

............................................................................................

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
mal de te amar neste lugar de imperfeição
onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum Deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
como o florir das ondas ordenadas

(Ela)... abrigo no peito...

...escolhi com extremo cuidado as palavras bordadas por quatro poetas
que explicarão por mim,
os meus sentimentos perante os dias tristes…
aqueles dias que me afastam de ti

e do teu olhar
e das tuas mãos
e da tua voz...
se leres com atenção compreender-me-ás...

o primeiro de Álvaro de Campos
...............................................................

(...)
Ontem passei nas ruas como qualquer pessoa
olhei para as montras despreocupadamente
e não encontrei amigos com quem falar.
de repente vi que estava triste, mortalmente triste,
tão triste que me pareceu que seria impossível
viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,
mas porque seria impossível viver amanhã e mais nada.
fumo, sonho, recostado na poltrona.
dói-me viver como uma posição incómoda.
deve haver ilhas para lá do sul das cousas
onde sofrer seja uma cousa mais suave.
onde viver custe menos ao pensamento,
e onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol
e acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais.
Nem no dia do mês ou da semana que é hoje.
Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,
um coração exageradamente expontâneo.
Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,
Que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta,
Canções tristes, como as ruas estreitas quando chove.

domingo, maio 25

(Ele)... para ti rasguei ribeiros...

Das Mãos e os Frutos de Eugénio de Andrade
aqui e ali…

madrigais do meu amor por ti
.............................................................

Nos teus dedos nasceram horizontes
e aves verdes vieram desvairadas
beber neles julgando serem fontes

**

Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor

**
Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
E dei às romãs a cor do lume.

Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
Um corpo aberto como os animais.

**

Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
O teu sorriso puro,
A tua graça animal.

Canto porque sou homem.
Se não cantasse seria
o mesmo bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinha sem vinho

Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
Nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
por vê-los nus e suados.

sábado, maio 24

(Ele)... és o espelho onde esmero...

Descobri esta poesia numa arca velha lá de casa.
Estava escrita à mão, numa folha tosca, quadriculada.
Datava de 1973 e foi escrita em Lourenço Marques.
Assinada por António de Matos Ferreira. Vê como são belas as palavras.
Escrever-tas-ia para ti em dias de tempestade.

És a minha razão.
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És o cofre onde encarcero
Meus sentidos alienados
Minhas razões derrotadas
O meu sonho já desfeito

És o espelho onde esmero
Meus traços já deformados
Minhas feições enrugadas
Os lamentos do meu peito

És cama de leves penas
Onde minha vida deito
Onde choro e desespero
Onde sonho, rio e canto

És paz de noites serenas
Alimento do meu peito
És tudo por quanto espero
És o lenço do meu pranto

És barca da minha vida
Meu timão, roda de leme
És bússola, roteiro, norte
És meu princípio, meu fim

Em ti embarco, vencido
E em tua mão, que não treme
Eu entrego, até à morte,
O que sobeja de mim.

quinta-feira, maio 22

(Ela)... ainda o calor dos teus...

Na ponta dos meus dedos…ainda o calor dos teus…
é este o sentido da minha carícia…
não sei se há poetas melhores ou piores, se há poesia mais bela uma que outra…
mas sei que Jorge de Sousa Braga fala dos meus sentimentos
como se os conhecesse por dentro

..................................................................

Escrevo
com os dedos ainda longos
da carícia

quarta-feira, maio 21

(Ele)...o nosso Jogo...

o Jogo de Nuno Júdice descreve-nos…
as dificuldades, as hesitações, os recuos e os avanços possíveis…
e é nesse momento que o fogo nos consome!

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Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
um em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.

segunda-feira, maio 19

(Ele)... amar-te é mais que possuir-te...

o poeta de Coimbra, Amadeu Telles Marques borda as palavras de forma sublime…
é homem!

e expressa os meus sentimentos de homem…
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Amar-te
É desejar-te
Mais que possuir-te.

É possuir-te
Depois de desejar-te
É desejar-te ainda
Depois de possuir-te.

Amar-te
É definir a urgência de ti
E descobrir que, então
O mundo todo me acompanhou.

Amar-te
É verbo transitivo
Te amei. Te amo. Te amarei
.

sexta-feira, maio 16

(Ela)... sempre por fora... sempre por dentro...

Desde o dia da nossa partilha maior que penso, que sinto, que te quero ter sempre…
Sempre por perto… sempre por fora… sempre por dentro…
de Conceição Valada Manaia, sempre ...

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Sempre
É o sonho mais distante que eu consigo Ter
Não me censures
A culpa está no frenesim
Que me habita
Discreto desabrocha
Nas tuas mãos e pede um destino
Podes não ver para lá deste incêndio
Deste compêndio
Da enumeração perfeita
Mas eu existo
O sonho é ser sempre
Estou possuída
Onde toco tudo se transforma
A metamorfose da existência
É o teu fascínio
Habitas-me
Na simbiose dos desejos
A que eu chamo sonhos.

quinta-feira, maio 15

(Ele)... a minha e a tua pele...

Pele, de David Mourão-Ferreira
...................................................................................

Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
De mais que tua pele ser pele da minha pele

sexta-feira, maio 9

(Ele)... rio dentro do rio...

de Carlos Nejar… palavras belas…
que demonstram o meu desejo por ti…
quero ser ‘rio dentro do rio’,
‘corpo dentro do corpo’…
......................................................................

Nossa sabedoria é a dos rios.
Não temos outra.
Persistir. Ir com os rios,
Onda a onda.

Os peixes cruzarão nossos rostos vazios.
Intactos passaremos sob a correnteza
Feita por nós e o nosso desespero.
Passaremos límpidos.

E nos moveremos,
Rio dentro do rio,
Corpo dentro do corpo,
Como antigos veleiros.

segunda-feira, maio 5

(Ela)... não me conheces, ainda!

Ainda não...
.............................................................

O percurso sinuoso
(dos meus sentimentos ? Ou do meu corpo ?)...
não conheces ainda...
... os contornos
ou de cor a boca
até lhe saber o sabor dos (en)cantos...

....não exploraste,
não ainda...
a pele
centímetros de poros alvos...

...não rodopiaste
os cabelos
nas tuas mãos...
...mãos
que não vasculharam
os recantos,
os detalhes...

...não reconheces também
os tremores e os arrepios...
...nem sabes que...
-consentida e desejada...
em acto de egoísmo e de dádiva-
a doce invasão
é uma serena partilha
que deixa o corpo e o coração
completos...

domingo, maio 4

(Ela)... e antes que me arrependa...

Ouvindo os teus lábios na minha pele e antes que me arrependa.
Um beijo em tempo real...

.......................................................

os meus olhos cerrados
e
os teus lábios sobre mim
nada mais
que não
o contacto
breve
da tua boca
sobre a minha pele
na descoberta
lenta
doce
numa entrega
mútua
intensa
feliz

(Ele)... ter-me-ás contigo, incrédulo ainda...

Fui buscar pontos novos aos poetas vizinhos que partilham
este mais-ou-menos-mal-recortado-quadrado-de-terra…
são pontos de Àlvar Valls e que encontrei na antologia da poesia catalã que me ofereceste
Um poema para ti: Última lição de amor

.........................................................................

Ter-me-ás contigo a cada pancada
do teu coração, incrédulos os dois ainda
ante o milagre de uma nova alba,
bela, definitiva, bem nossa.
Os teus olhos humedecer-se-ão
- não de choro, porque as lágrimas
serão centelhas incontidas de alegria -
e voltaremos a aprender, agora para sempre,
lições inteiras de felicidade.
Então dir-te-ei: "Vês como a vida,
no fim de contas, sempre sorri?"
Só é preciso esperar - e agora recito em plural
porque o mundo não somos só tu e eu -
que a luta e a coragem frutifiquem.
A luta e a coragem de ontem, de hoje e de amanhã;
a luta e a coragem e a dor de cada dia.

sábado, maio 3

(Ela)... a nossa vida existe para além do que somos...

A nossa vida existe para além do que somos…
existe para além do nosso amor…
mas este, tem lugar cativo no mundo.
Existe também e está numa terra a leste do coração…
numa Terra Incógnita para todos, para os demais…
alguns pontos bordados por João de Mancelos

.............................................................................

Há uma terra a leste do coração,
Meu amor,
Para lá dos mundos naufragados,
À esquerda da esperança.

Não tem nome, nem mapa, nem rota,
É uma terra de vento e luz,
Onde Deus está por inventar,
E o Demo não desembarcou ainda.

É uma pulsante ilha no meu peito,
Escuta-a, amor,
A terra onde poisarás a fronte,
E onde uma noite apenas
Dura todo o sempre.

sexta-feira, maio 2

(Ele)... o âmago do teu azul

Será que finalmente vou conseguir compreender o âmago do teu azul?
E se o azul fosse O mar nos teus olhos?
pela Maria Teresa Horta

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I

É o mar meu amor,
na febre dos teus olhos
é o manso fascínio
da onda que se inventa
É o mar meu amor,
mestiço nos teus olhos
é o mirto, o queixume
a mansidão tão lenta

II

É o mar, meu amor,
o lastro dos sentidos
que afogas nos olhos
sem nunca te afundares
É o mar, meu amor,
que transportas nos olhos
e onde eu nado o tempo
sem nunca me encontrar.

quinta-feira, maio 1

(Ele)... sinto-me velho hoje!

Hoje, sinto-me velho! Olho o meu rosto ao espelho e
ele não me devolve a imagem de todos os outros dias.
Estás longe e eu não compreendo porque não estás perto.
Sinto-me velho, velho, velho!
Como se a vida, no dia de hoje, se tivesse esvaído e eu
só conseguisse bordar estas palavras como se fossem as últimas palavras…
Do Rui Knopfli, mais um poema

..............................................................

Não envelheço. Torno-me antigo.
O velho sempre viveu em mim,
sempre o pressenti no olhar
magoado, demorando-se nas coisas, em certa lentidão não premeditada
dos gestos e nas lembranças confusas
de uma outra recuada idade.
Sempre aflorou na mão e na estima
triste que se estende aos amigos,
na aresta de desconsolo que espreita
as minhas horas de amor.
O velho sempre viveu em mim.
Eis que, enfim, o reboco
se lhe começa a assemelhar.

terça-feira, abril 29

(Ele)... aprendi contigo a viver em pleno vento...

Um verso da Sophia... para atravessar contigo o deserto do mundo...
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Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminharei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e meu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem vela do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

terça-feira, abril 22

(Ela)... queria colocar-me a mim, inteira...

Que te escrever?
..........................................................................

Que te escrever?
Se o que eu queria era colocar-me a mim
-inteira-
dentro da mensagem
e surgir à tua frente
-Que surpresa!? Que susto!?-
(em carne e osso
e pele e sangue
e alma e coração)
e depois
pegarmos um no outro e sairmos ao encontro do sol e do mundo.
De nós?

Que te escrever?
Que seja o reflexo exacto do turbilhão interior
Do amor e da saudade
Da felicidade e da infelicidade de te ter e não te ter.

Que te escrever?
De forma a que pareça doseado e equilibrado
E não uma amálgama vibrante de sentimentos e emoções
Incompreensíveis, vivos, autónomos.

Que te escrever?
Se o que te escrevo é notoriamente incompleto
E imperfeito

domingo, abril 20

(Ele)... este desejo de corpo e alma...

Pego num livro de Maria Teresa Horta à procura de uma poesia que possa expressar com clareza este desejo do corpo e da alma...
Mas é difícil!
Ela é mulher e exprime a sensação do corpo de mulher...
Encontro, porém, qualquer coisa que poderia ter sido eu a expressar, retirado do livro Anjos
.................................................................
Deixa-me voar
Por cima do teu
Colo

Até ir poisar
Na tua alma.

sábado, abril 19

(Ela)... uma semana depois...

... uma semana depois...
estava ainda…
...........................................................

Estava ainda
Com o teu cheiro

Nas mãos
Na cara
Nos lábios
No cabelo
No pescoço

Em mim.
Por fora.

Uma semana depois…
o cheiro tranferiu-se para o coração.

sexta-feira, abril 18

(Ela)... versejando em tom trocista...

Uma brincadeira, aos ais...
-versejando, em tom de época!-
E com um sorriso

–trocista?-
no olhar…
.............................................................................

Por quem sois... como desejais que vos trate, meu amo e senhor?
Excelência ou simplesmente amor?
Dom Fulano de Tal ou Vossa Senhoria?

Que pavor, que horror... como quereis que vos trate?
Com deferência e formalidade
Ou com lágrimas de saudade?

-Ah Senhor Dom como passais?
O coração de Vossa Mercê tem palpitado por esta donzela que por si suspira?

Que dizeis?
Sussurrais?
... Não me apartais de vós que não vos ouço...

Que desejais Meu Senhor, uma prenda? Um recado? Um lenço de namorado?

Eis aqui a vossos pés, Dona-Plebeia-Menina, com recato e com pudor
mas também com muito amor...
À espera que decidais sobre doce tratamento…
…soltando neste entremeio, ais como lamento.

quinta-feira, abril 17

(Ela)... gasto toda a minha linha azul...

Hoje gasto toda a minha linha azul…
Transformo-me -eu própria- numa vaga alterosa que

te lança
espuma no rosto e
sal nos lábios…
Saboreia-os, amor, que me estás a saborear a mim!
...em azul... (6)... Eugénio de Andrade

......................................................................................

Peço às vagas
Altas e sucessivas
Que fossem como folha
De álamo;
Que fossem sobre o coração
Carícia ou só
Memória de lábios.

quarta-feira, abril 16

(Ela)... acordo com a pedra azul na mão...

Tenho de te ajudar a compreender o meu azul…

E se o azul fosse da pedra que apanhei no caminho?
Da pedra que te quero oferecer como símbolo maior do meu sentimento?
E se a pedra contivesse em si todo o meu amor por ti?
A banal pedra azul não se tranformaria na pedra mais preciosa?
...em azul... (5)... A Pedra Azul de Rui Féteira

........................................................................................

Acordo com uma pedra azul na mão.

Levanto-me e vou ao teu encontro. Todas as ruas vão dar ao teu castelo, todos os pássaros me dizem o teu nome.

Depois o sol declina. As ruas desertam noutras ruas. A noite chama os pássaros e os pássaros levam o teu nome nas suas asas incandescentes.

A lua poisa no céu. Entro na última estalagem para pernoitar. Subo as escadas e nas varandas do sono adormeço com a pedra azul entre as mãos.

Amanhã encontrar-te-ei.

(Ela)... só para me espraiar nas areias da tua praia...

Tenho de te ajudar a compreender o meu azul…

E se o azul fosse a imensidão do mar, daquele mar que dá a volta ao mundo, com rebeldia ou mansidão, só para se espraiar nas areias da tua praia?
...em azul... (4)... alguns pontos de um bordado maior de Manuel Alegre

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Há um caminho marítimo no meu gostar de ti.
Há um porto por achar no verbo amar
Há um demandar um longe que é aqui
E o meu gostar de ti é este mar.
(...)
Ai terras de Aquém-Mar (a-quem-amar)

terça-feira, abril 15

(Ela)... o azul dos regatos...

Tenho de te ajudar a compreender o meu azul…

O azul dos regatos que brotam límpidos e vão ao encontro do rio maior que os acolhe…
e se o rio fossem os teus braços, amor… compreenderias o meu azul?
...em azul... (3)... Um soneto –livre – de Manuel Alegre -
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Do amor fica sempre uma canção
Fica um sinal na pele. Fica um sinal.
Do amor fica um sim e fica um não.
Fica o sol e a sombra. Fica o sal

Do amor fica sempre um coração
A pulsar na memória o tempo breve
Da sua chama a arder um só Verão.
Do amor fica amor que se não teve.

Fica uma réstea e um rasto de navio

Do amor o que fica é um passar
Que do amor como o tempo é ser um rio
Como um rio fluir e assim ficar.

E por isso de amor este arrepio
De se morrer (de se viver) de amar.

segunda-feira, abril 14

(Ela)... compreender o meu azul...

Tenho de te ajudar a compreender o meu azul…

o azul da liberdade do céu e das asas do pássaro que o percorre
...em azul... (2)... de Machado de Assis

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Para encontrar o azul eu uso os pássaros...

domingo, abril 13

(Ela)... simplesmente, em azul...

Achas que posso, meu amor?
Achas que posso bordar-te a azul
as palavras do meu coração vermelho?
...em azul... (1)

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Em azul...

do mar?!

Serei grumete?
Comandante?

Do céu?!
Serei pássaro?
Nuvem?
Simplesmente aragem?

Ou dos olhos
Que me contemplam
Com amor?!

De azul...
Visto o meu corpo
E o meu sentimento
E é ar
E é imensidão...
E perco-me em voo de liberdade
No espaço
No tempo
Na vida

Em azul...
Da água?!
Que bebo
E me sacia

Ou dos olhos
Que me afagam
Onde mergulho
Onde me afogo?

sábado, abril 12

(Ela)... que agora tudo faz mais sentido...

Depois do passeio...
depois do jardim...
depois do beijo...
UM BEIJO

–que agora tudo faz mais sentido –
....................................................................

Ainda perturbada
Ainda sentindo a tua presença real

Nada mudou e tudo mudou

Não estás aqui mas preenches e completas

Concentro-me no que tenho
E tudo é certo
Sem confusão
Sem medo
Sem drama
Sem remorso

Sinto-me feliz
és o meu sonho
a minha poesia

quinta-feira, abril 10

(Ela)... a minha primeira verdade és tu!

... hoje bordo-te as palavras (só algumas) de um outro ilustre poeta,
Giánnis Ritsos [1909-1990] que encontrei –pasme-se!!!- no gabinete do consultório numa revista de poesia intitulada «alma azul – revista de artes e ideias».
Em todos os lugares podemos encontrar poesia! Concluo!
A minha primeira verdade és tu!

Concluo ainda!
.........................................................

Disse: creio na poesia, no amor, na morte,
E por isso mesmo creio na imortalidade. Escrevo um verso,
Escrevo o mundo; existo; existe o mundo.
Da ponta do meu dedo mínimo corre um rio.
O céu é sete vezes azul. Esta pureza
É de novo a primeira verdade (...)

quarta-feira, abril 9

(Ela)... é só do chão que nascem as flores...

...as segundas de Amadeu Telles Marques
.............................................................

Esquece os deuses e pisa forte a terra
Sem medo
Que a lama e a poeira causem dores
É só do chão que nascem as flores

(Ela)... ansiando o teu regresso...

... E te deixo com esta prenda em palavras...ansiando o teu regresso…
As primeiras são de Xavier Zarco...
.............................................................

Há um regresso
Escrito
Algures

Uma pedra
Grávida
De formas
De humanos
Desejos

Um porto
Algures
Onde zarparas

Um cais
Onde amarrar
A vontade

E um momento
Este momento
De simples
Sonhar

terça-feira, abril 8

(Ele)... andando por aqui e por ali...

ainda em Paris…andando por aqui e por ali… encontro-te em todos os lugares…
e encontro, também, este poema bordado por um poeta que
viveu um tempo breve no início do século vinte.
Traduzo para ti, como sei e como sinto, o poema de Robert Desnos [1900-1945]

......................................................................

Sonhei tanto contigo, caminhei tanto
Falei tanto, dormi tanto com o teu fantasma
Que talvez não me reste nada mais do que
Ser fantasma entre os fantasmas e cem vezes
Mais sombra do que a sombra que se passeia
E se passeará alegremente sobre o círculo solar
Da tua vida

segunda-feira, abril 7

(Ela)... mais longe ainda do longe...

Quando estás mais longe ainda do longe onde costumas estar… eu sinto mais ainda a tua falta…
ainda e sempre Eugénio de Andrade
........................................................................................

Vê como de súbito o céu se fecha
Sobre dunas e barcos,
E cada um de nós se volta e fixa
Os olhos um no outro,
E como deles devagar escorre
A última luz sobre as areias.

Que diremos ainda? Serão palavras,
Isto que aflora aos lábios?
Palavras? Este rumor tão leve
Que ouvimos o dia desprender-se?
Palavras ou luz ainda?

domingo, abril 6

(Ele)... em Paris, sem ti... que desperdício!

Paris… a cidade dos amantes… estou aqui e tu estás aí… que desperdício!
Que saudades ainda maiores de ti!
Percorro museus e penso em ti. Vejo-te nas musas de outros.
Calcorreei há pouco uma exposição sobre surrealismo no Beaubourg.
Lá encontrei um poema de Paul Élouard que eu gostaria de ter escrito para ti.
Por que não o escrevi?
Traduzo-o livremente e bordo-o com as minhas próprias linhas…
.............................................................................


Sobre os meus cadernos de escola

Sobre a minha carteira e nas árvores

Sobre a areia e sobre a neve

Escrevo o teu nome

quinta-feira, abril 3

(Ele)... tu estás em mim...

Peguei num livro de Mário Cesariny.
Deixo-te um curto poema, que poderia ter sido bordado por mim

....................................................................

Tu estás em mim como eu estive no berço

Como a árvore sob a sua crosta

Como o navio no fundo do mar.

quarta-feira, abril 2

(Ela)... existes?

Existes?
Não existes?
De David Mourão-Ferreira, Legenda

......................................................

Nada garante que tu existas

Não acredito que tu existas

Só necessito que tu existas
.

terça-feira, abril 1

(Ela)... vontade de mergulhar num sorriso!

Quando um sorriso nos lembra o mar e nos dá vontade de mergulhar.
Ainda de Eugénio de Andrade, O Sorriso

...............................................................................

Creio que foi o sorriso,
O sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
Lá dentro, apetecia
Entrar nele, tirar a roupa, ficar
Nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

(Ela)... há dias assim

Que qualquer sorriso vindo do teu passado te dê a capacidade de, hoje, sorrir...
E não te esqueças também do meu sorriso… que resplandece com o teu olhar
de Eugénio de Andrade, “Há dias...”

..............................................................

Há dias em que julgamos
Que todo o lixo do mundo nos cai
Em cima. Depois
Ao chegarmos à varanda avistamos
As crianças correndo no molhe
Enquanto cantam.
Não lhes sei o nome. Uma
Ou outra parece-se comigo.
Quero eu dizer: com o que fui
Quando cheguei a ser
Luminosa presença da graça,
Ou da alegria.
Um sorriso abre-se então
Num Verão antigo
E dura, dura ainda.

(Ela)... sê o meu mar!

Há muitas formas de ver o mar...tenta ver o mar pelos meus olhos…
vê e sente o porquê do meu amor ao mar… sê o meu mar …
ainda de Amadeu Telles Marques – Prémio Nacional Revelação Poesia de 1971, o poema ‘Ilha’

............................................................

Na ilha que tu és
(a ilha que somos todos nós)
que eu seja
em todo o horizonte, em todo o tempo,
o mar sereno e forte que te envolve.
-Nas vagas de raiva e de paixão,
na espuma do poente em maré baixa.

quarta-feira, março 26

(Ela)... pus o que havia em mim!

Deixo-te com Amadeu Telles Marques,
um poeta de Coimbra - para mim, até agora, um desconhecido-
e o seu poema “Doação” retirado do livro “A Dimensão Medida”.

Gostei e achei apropriado.
Os seus pontos tornam mais rico o nosso Lenço!

......................................................

Pensei
E quis.
Na tua mão
Pus o que havia em mim

-o oiro
e o latão!

segunda-feira, março 24

(Ele)... contigo, comigo

Leio Estrela da Vida Inteira de Manuel Bandeira, referência da cultura brasileira e que marcou toda uma geração de poetas brasileiros, da lusofonia e até de alguns portugueses.
De repente, dei com um poema que cristaliza o que se passa comigo...
transcrevo-te o poema «Contigo, comigo»
.....................................................

Como contigo
Eu chego a mim!

Como me trazes
A esfera imensa
Do mundo meu
E toda a encerras
Dentro de mim!

Como contigo
Eu chego a mim!

Ah como pões
Dentro de mim
A flor, a estrela,
O vento, o sol,
A água, o sonho!...

Como contigo
Eu chego a mim!

domingo, março 23

(Ele)... e sei-lá-mais-o-quê!

Paciência, eu devia ter paciência.
Não me vou esquecer de escrever cem vezes num caderno, antes de me deitar: eu preciso de ter paciência!
Paciência... com o prosaico da vida que me enerva e enraivece e desatina e sei-lá-mais-o-quê!
Não tenho paciência para o corriqueiro, para o banal, para o que não é sublime!
Hoje, perco a paciência com os actos quotidianos!

Quero endoidecer-me de ti!
Rui Knopfli, excerto do poema IF

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(...)
Se, contabilista
Resistires à falsificação da escrita
À tentação da ‘caixa’;
Se, empregado,
Souberes oferecer ao patrão
O sorriso e a vénia modelares,
Em vez do gesto indecente, descarado,
Do gesto português.

(é preciso, é preciso)
...

então meu filho, serás um homem
geralmente respeitado e admirado
pelos teus concidadãos.

Entretanto formulo um obscuro voto
para que, nalgumas destas alternativas,
te percas, meu filho, sem remissão.

sábado, março 22

(Ele)... a natureza endoideceu...

A natureza endoideceu... de mim, para ti!
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Com uma temperatura amena, a natureza endoideceu.
De um dia para o outro irrompem as flores...
... no meu jardim, nos campos, nos muros e nas sebes.
E as mais lindas não são, seguramente, as do meu jardim.
Se tivesse a quem as oferecer, teria colhido hoje, à beira do caminho, o ramo mais singelo.

Como eu teria gostado de to dar!

sexta-feira, março 21

(Ele)...tão tu-própria-nelas!

Hoje é Dia Mundial da Floresta.
Haverá algum dia que não seja dia-de-qualquer-coisa?...
Mas por aqui... ninguém se lembrou que por se terem esgotado os dias-de-qualquer-coisa, hoje também era o Dia da Poesia...

E, em homenagem ao Dia da Poesia e em arrependimento de não ter feito um filho, plantado uma árvore ou escrito um livro no dia de hoje,
(que isto não se lhe assemelha),

bordo-te um poema de Alberto Caeiro.

Ah! E as tuas palavras são lindas e delicadas!
Tão puras, tão genuínas...
tão tu-própria-nelas!
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E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...

Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.

Penso nisto, não como quem pensa mas como quem respira
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas estações

(Ela)... traduzo-me para ti

Tentei os meus próprios pontos…
mas envergonhei-me deles… por tão singelos não traduzem a minha imensidade…
por isso, agora, um poeta a sério! Que traduz melhor o que sinto e que é tanto!.
«Traduzir-se» de Ferreira Gullar

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Uma parte de mim
É todo o mundo
Outra parte é ninguém:
Fundo sem fundo.

Uma parte de mim
É multidão:
Outra parte estranheza
E solidão.

Uma parte de mim
Pesa, pondera:
Outra parte
Delira.

Uma parte de mim
Almoça e janta
Outra parte
Se espanta.

Uma parte de mim
É permanente
Outra parte
Se sabe de repente.

Uma parte de mim
É vertigem:
Outra parte,
Linguagem .

Traduzir uma parte
Na outra parte
-que é uma questão
de vida ou morte-
será arte?

(Ela)... quatro anos depois da última palavra

«Versinhos bem-comportados»
Imaginando-me encostada ao teu ombro (embalada pelo "tan-tan" do comboio) não dormia,
‘bordava’ para ti, ainda a medo e sem grandes aparatos, 4 anos depois da última palavra!

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Dá-me a tua mão

-não ouves o tom sussurrado da minha voz?
Não é uma ordem, é um pedido -

unhas quadradas, compridas
pele alva
morna, tão morna

(mão com sabedoria e paixões de poesia e
memórias e alvoroço e vida e seiva e tudo)

Vou encostar o meu rosto à tua mão

-sentes?-

Deixa-a ficar
...assim...
de mansinho sob o meu rosto,
quieta e inebriada
pelo meu toque, doce e inocente
mas palpitante.

Quero apenas senti-la, à tua mão,
na minha face
E o teu toque transmitindo-me o mundo,
o teu mundo
sem tempestades
sem fúrias!

(a não ser aquelas que existem dentro de nós)

Vou sentir o teu cerne
nesse simples toque
que não me assusta.
E
que me deixa confiante adormecer

(sabendo que me ficas a contemplar –encantado e feliz-)

O meu rosto e a tua mão... assim...

-sentes, não sentes?-

peles tocando-se e
partilhando-se e
conhecendo-se...
em silêncio de comunhão.

quinta-feira, março 20

(Ele)... é esse o fascínio dos escritores, dos poetas...

É esse o fascínio dos escritores, dos poetas...
conseguir criar mundos virtuais que os outros –e ele próprio- sentem possíveis.
Da Sophia de Mello Breyner Andresen... um verso pela noite...
Ah, sabes que o mais delicioso aqui na minha terra é o magnífico céu, atapetado de estrelas?

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Quero
Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira de janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.

(Ela)... queria saber as mais lindas palavras...

Queria saber bordar-te as mais lindas palavras. Queria!
Mas receio que nunca alcance a sabedoria dos poetas…
Um poema para ti de Eugénio de Andrade.
Em glória ao silêncio que tanto prezas...

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Quando a ternura
Parece já do seu ofício fatigada,

E o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

Quando azuis irrompem
Os teus olhos

E procuram
Nos meus navegação segura,

É que te falo das palavras
Desamparadas e desertas,

Pelo silêncio fascinadas

quarta-feira, março 19

(Ele)... os meus beijos são teus!

Como eu te beijaria hoje! Beijar-te-ia tanto! E de tantas maneiras!
Com carinho… com paixão… com enleio… com devoção…
com todo o sentimento depositado nos meus lábios… transmitindo o meu amor para os teus!
Só beijos a selar-nos
–um ao outro-
a colar-nos através das nossas bocas!
Beijos de Mário de Sá-Carneiro, 1910

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Beijar, linda palavra!... um verbo regular
que é muito irregular
nos tempos e nos modos...

Conheço tantos beijos e tão diferentes todos!...

Um beijo pode ser amor ou amizade
Ou mera cortesia,
E muita vez até, dizê-lo é crueldade,
É só hipocrisia.

O doce beijo da mãe
É o mais nobre dos beijos,
Não é beijo de desejos,
Valor maior ele tem:
É o beijo cuja fragância
Nos faz secar na infância
Muita lágrima... feliz;
Na vida esse beijo puro
É o refúgio seguro
Onde é f’liz o infeliz.

Entre as damas o beijo é praxe estab’lecida,
Cumprimento banal, ridículos da vida!-:
(imitando o encontro de duas senhoras na rua)
-Como passou, está bem? (um beijo) O seu marido?
(mais beijos), De saúde. E o seu, Dona Mafalda?
-Agora menos mal. Faz um calor que escalda,
Não acha?, Ai, Jesus, que tempo aborrecido!...

Beijos dados assim, já um poeta o disse,
Beijos perdidos são.
(Perder beijos!, que tolice!)
Porque é que a mim os não dão?
O osculum pacis dos cardeiais
É outro beijo de civ’lidade;
Beijos paternos ou fraternais
São castos beijos, só amizade.

As flores também se beijam
Em beijos incandescidos,
Muito embora se não vejam
Os ternos beijos das flores.

Há outros beijos perdidos:
Aqui mesmo:
Há aqueles que os actores
Dão a esmo,
Dão a esmo e a granel...
Porque lhes marca o papel.

-Mas o beijo de amor?
Sossegue o espectador,
Não fica no tinteiro,
Guardei-o para o fim por ser o ,verdadeiro,

Com ele agora arremeto
E como é o principal
Vai apanhar um soneto
Magistral:

Um beijo de amor é delicioso instante
Que vale muito mais que um milhão de vidas,
É bálsamo que sara as mais cruéis feridas,
É turbilhão de fogo, é espasmo delirante

Não é um beijo puro. É beijo estonteante,
Pecado que abre o céu às almas coloridas.
Ah! Como é bom pecar coas as bocas confundidas
Num desejo brutal de carne palpitante

Os lábios sensuais de uma mulher amada
Dão vida e dão calor. É vida desgraçada
A do feliz que nunca um beijo neles deu;

É vida venturosa a vida de tortura
Daquele que coa boca unida à boca impura
Da sua amante qu’rida, amou, penou, morreu.

(Pausa...Mudando de tom)

Desejava terminar
A beijar a minha amada,
Mas como não tenho amada,

(A uma espectadora)

Vossência é que vai pagar...

Não se zangue. A sua face
Consinta que eu vá beijar...
....................(atira-lhe um beijo)
Um beijo pede-se e dá-se
Não vale a pena corar...

terça-feira, março 18

(Ele)... é essa a virtude dos poetas

Li e reli o poema do Ary dos Santos...É essa a virtude dos poetas, exprimirem os nossos sentimentos... Porque a poesia toca o que há de mais valioso em nós.
Deixo-te com os mais belos pontos da Sophia.

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Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda que a tua.

segunda-feira, março 17

(Ele)... aceito o teu Lenço!

Aceito o teu Lenço… aceito-o como o nosso Lenço e, sim! quero bordá-lo contigo!
Aceito a tua partilha e partilho-me contigo!
Temos tempo para toda uma vida de partilhas!
Lembras-te das nossas brincadeiras em torno da idade e de como e quanto nos amaríamos ainda quando fossemos velhos e esclerosados?
Eu tinha-te prometido não voltar a falar da idade, mas não resisto. Deixo-te com a ironia de Rui Knopfli, “nosso” conterrâneo, num poema que se chama “O dente do Siso”
Imagina-me assim, querida! Achas que me suportarias, então?

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Idade de seborreia. Em placas,
Com prurido no couro cabeludo.
A acinzentar a gola do casaco.
Incrustada no cerne das unhas,
À extremidade encardida dos dedos.
Idade da azia. De insuficiência
Hepática. De pequenos males
Sem importância alguma, não
Fora a dor a crucial e periódica
Junto do metal ortopédico. Óculos
De vista cansada. O cabelo
A rarear, a gengiva descarnada
A caveira espreitando atrás dos dentes,
A caveira à rasca para segurar os dentes
A cárie e a nicotina. A caveira
A aguentar tant bien que mal a fachada
E os olhos, que tu ainda teimas
Em fazer bonitos às raparigas

domingo, março 16

(Ela)... um ponto difícil

Aprendi hoje um ponto difícil e, por isso, só te bordo um bocadinho
com as palavras que mais apreciei –as menos rudes e agressivas- do Ary dos Santos...
cujo olhar e sentir alcança mais longe
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Invento-te recordo-te distorço
A tua imagem mal e bem amada
Sou apenas a forja em que me forço
A fazer das palavras tudo ou nada.
(...)

E as coisas que eu não disse? Que eu não digo:
Meu terraço de ausência meu castigo
Meu pântano de rosas afogadas

Por ti me reconheço e contradigo
Chão das palavras mágoa joio e trigo
Apenas por ternura levedadas

terça-feira, fevereiro 19

(Ela)... o segundo ponto

Partilha
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fico com o teu amor que aceito
e ofereço-te o meu, por inteiro

quinta-feira, fevereiro 14

(Ela)...o primeiro ponto...

Começo hoje a bordar um ‘Lenço de Namorados’ para ti,
um “pequeno-grande-nada” onde depositarei todo o meu enlevo.

Aprendo ainda os pontos e começo com as palavras mais singelas neste dia que será o nosso dia…

Vai ser o nosso Lenço… De mim para ti e de ti para mim!
Há-de conter o mais precioso de nós…
Estará cheio de nós!
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Que qualquer pequeno nada te faça feliz!
Te traga um sorriso... genuíno!
E um brilho especial ao olhar!

E cresça
E se reproduza, até ser incomportável para o teu ser...
E borbulhe
E transborde
E alimente quem te rodeia
E se transforme no essencial
No necessário da vida
E afinal –que extraordinário- se revele num grande nada!